O sangue de meu irmão arde em meu peito
O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir;
eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância.
João 10, 10
Somos mulheres e homens que buscamos seguir a Jesus Cristo e desejamos trabalhar com Ele para construir o Reino de Deus, fiéis ao Evangelho e à Tradição da Igreja. Nossa espiritualidade procura ser uma resposta amorosa à experiência dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio. Procuramos tomar nossas decisões em atitude de discernimento – pessoal e comunitário – e em acatamento ao Magistério da Igreja.
Hoje, ao celebrarmos a Eucaristia na memória de Santo Inácio de Loyola, renovamos nosso compromisso com a Vida, a Justiça e a Paz.
Ao tomarmos conhecimento do assassinato do cacique Emyra Wajãpi, seguido de um ataque à aldeia Mariry, do Povo Wajãpi, no estado do Amapá, manifestamos nosso profundo pesar e tornamos pública a presente nota.
Fazemos nossas as preocupações dos bispos que constatam que na Amazônia a «vida está ameaçada pela destruição e exploração ambiental, pela violação sistemática dos direitos humanos elementares da população amazônica. De modo especial a violação dos direitos dos povos originários, como o direito ao território, à autodeterminação, à demarcação dos territórios e à consulta e ao consentimento prévios.» E, com profundo pesar – mas com profética indignação – constatamos que «a vida na Amazônia está ameaçada sobretudo pela criminalização e assassinato de líderes e defensores do território.»[1]
Acatamos o ensinamento do Bispo de Roma que nos orienta que «não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres.»[2]
Em consonância com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de modo particular com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), e solidários com o Povo Wajãpi,
MANIFESTAMOS nossa indignação e repúdio pelo assassinato do cacique Emyra Wajãpi por pessoas que esbulham as terras ancestrais, bem como à política antiambiental perpetrada pela atual gestão. Assistimos, inquietos, o crescimento do preconceito aos nossos irmãos originários dessas terras que deveriam receber uma tutela especial, conforme determina a Constituição Federal.
RECONHECEMOS que o recrudescimento da violência aos povos indígenas tem nos últimos meses como principal motor a fala desrespeitosa e preconceituosa de ocupantes de cargos políticos, a começar do Chefe do Poder Executivo Federal.
RECORDAMOS que ninguém está acima da lei, menos ainda quem exerce cargos públicos.
Por quanto tempo suportaremos sangrar? Por quanto tempo assistiremos à barbárie, ao crescimento da violência e à banalização do mal?
Em nome do Cristo que inspira nossa fé gritamos a todos os pulmões: chega de matança! Chega de morte e violência contra os povos indígenas! Chega de acobertamento e impunidade aos assassinos e mandantes!
Que seja respeitada e cumprida já a Constituição Federal, em particular o disposto no art. 67 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias:
demarcação já!

Luiz Beltrão Gomes de Souza, Renata de Sousa Beltrão, Daniella Ribeiro de Pinho, Ricardo Perez Jannuzzi, Débora Ferreira – CVX Santo Alberto Hurtado (Brasília – DF) • José Carlos Aguilera, Sávia Maria Caldas Silva – CVX São José (Brasília – DF) •Sandra de Paula Dias, Osmar C. A. Ferreira, Tânia Maria Castro, Stela Moraes – CVX Dom Luciano (Brasília – DF) •Marlene Antônia Helena, Cidinha Pinto – CVX Dom Hélder (Brasília – DF) • Orlando Gomes Dantas – CVX Santo Inácio de Loyola (Natal – RN) • Antonio Carlos Peixoto Bitencourt – CVX Santíssima Trindade (Salvador – BA) • Maria Sonalba Linhares Leitão – pré-CVX Santo Inácio • Edla Maria Lula Moreira de Oliveira, Joana Eleuthério –
Notas
[1] Sínodo da Amazônia. Instrumentum laboris, 14-16.
[2] Papa Francisco. Laudato Si’, 49.
Imagem: Arte Kusiwa, dos Wajãpi (IPHAN)
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Nesse período que antecede o SÍNODO DA AMAZÔNIA, esta violação de direitos no território wajãpi vem como mais uma ameaça a outras terras indígenas, que revivem, nesse lamentável acontecimento, o pesadelo da invasão de seus territórios por garimpeiros. Contudo, meu grande medo é que este triste acontecimento seja também uma sinalização daqueles que gostariam de impedir esse Sínodo, especialmente o nosso atual desgoveno e seus ministros.
O papa Francisco tem sido incansável em seu CATECISMO:
‘O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona, nunca recua no seu projeto de amor, nem se arrepende de nos ter criado.’ (Laudato Si, nº13)
A União de toda a família humana depende de dedicação ao diálogo, ao exercício do discernimento e do perdão em dimensões quase sobre-humanas aqui no Brasil, onde infelizmente a gente está meio sem saída para alcançar esse ideal, que faz parte do Sonho de Deus.
Hoje li um artigo que disse enfatiza a seguinte questão:
“Em um DISCERNIMENTO bem conduzido, um lado nunca tem a intenção de triunfar sobre o outro; de fato, não há lados opostos, porque se trata de buscar aquilo que mais leva ao projeto de Deus. Esse é o grande perigo com as posições que permanecem nos extremos ou em desqualificação, as quais não permitem o diálogo e não dão espaço para a novidade.” ( Maurício López, mexicano, secretário executivo da Rede Eclesial Pan-Amazônica – Repam e membro do Conselho Pré-Sinodal para o Sínodo Pan-Amazônico.)
Encerro meu comentário lembrando que o primeiro dos quatro eixos do Ensino Social da Igreja é a pessoa humana, que é
“a única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma (Gaudium et Spes, 24). É a relação para com Deus que dá sentido ao homem e é o fundamento inalienável de cada pessoa e de todos os seres humanos.” (1)
Só me resta dar um voto de fé ao nosso combalido Judiciário, solicitando a rigorosa apuração do crime cometido contra a liderança indígena wajãpi. Imediatamente. Sei que existem vergonhosas situações a serem enxergadas, admitidas e julgadas. Mas, nesse momento, essa é uma prioridade inquestionável.
Joana Eleuthério
Brasília, 31/7/2019
(1) FAUX, Jean-Marie. Ensino Social da Igreja, tradução de José Ivo Follman. São Paulo: Edições Loyola, 2019.
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