Luiz Fernando Krieger Merico

Este espaço de reflexão chama-se “Mística do Século XXI”, justamente porque Francisco, enterrado no dia 26 de abril, traduziu para nossos tempos os apelos do evangelho, indicando claramente a espiritualidade do século XXI. As duas pernas que temos para caminhar e navegar estes tempos turbulentos são o cuidado com a casa comum, como apontado na encíclica Laudato Sí, e a fraternidade humana, definida na encíclica Fratelli Tutti. Dois textos dentre os mais importantes do século, e guias de uma espiritualidade engajada e de olhos abertos ao mundo que nos rodeia. Este legado do Papa Francisco continuará se desdobrando ao longo do século, como verdadeiras profecias. Passou entre nós um grande profeta.

Desde seus primeiros momentos como líder global da Igreja Católica, o Papa Francisco rapidamente emergiu como uma consciência moral global sobre as mudanças climáticas e outras crises ambientais que ameaçam o planeta. Ele fez da preocupação ecológica uma pedra angular de seu papado. A nossa casa comum, a biosfera, entrou para o centro de nossa espiritualidade, a qual não se desvincula do acelerado processo de destruição da vida.  

O próprio título da encíclica, foi inspirado no “Cântico das Criaturas”, de Francisco de Assis. Louvado Seja, (Laudato Si’) diz o Cântico. Laudato sejas tú Francisco, que mobilizastes os corações humanos para defender a obra de Deus. Em 2015, quando o mundo buscava um acordo internacional sobre o clima, Francisco lança um texto de muitas mãos e participação de muitas religiões, falando sobre a perda de biodiversidade, a poluição e outros desafios ambientais enfrentados pelo planeta e seus povos. “O desafio urgente de proteger a nossa casa comum”, escreveu Francisco, “inclui a preocupação de reunir toda a família humana para buscar um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar”. Nesta encíclica, as preocupações climáticas são entendidas como uma consequência da ação humana e são inseparáveis do sofrimento das comunidades humanas marginalizadas. A partir deste gesto de Francisco, a compreensão sobre nosso mundo e a formulação de respostas, tomaram uma força que vem desafiando as forças destrutivas da vida. Certamente, o futuro vai apontar este gesto como um ponto de inflexão na história humana.

Movimentos, plataformas de ação e mobilização de grupos religiosos e não-religiosos se proliferaram nos últimos 10 anos. Além de suas palavras, Francisco invocou ações em prol da criação.

Ele inscreveu no calendário litúrgico um Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação (1º de setembro) e convidou os católicos a celebrarem o Tempo da Criação, por um mês todos os anos, juntamente com outros cristãos. Acrescentou o “cuidado da criação” às obras de misericórdia. Determinou que o conceito de “pecado ecológico” fosse incluído no Catecismo da Igreja Católica. Sob sua supervisão, o Vaticano aderiu oficialmente ao Acordo de Paris em 2022 e comprometeu o Estado da Cidade do Vaticano a se tornar neutro em carbono até 2050. A Plataforma de Ação Laudato Si’ convidou instituições católicas em todo o mundo a se comprometerem com objetivos semelhantes e o papa se reuniu com líderes mundiais e executivos do setor petrolífero, instando todos a agirem rapidamente para reduzir as emissões que retêm o calor.

Oito anos após a publicação da Laudato Si’, Francisco lançou a exortação apostólica Laudate Deum, onde lamentou a falta de progresso “na crise climática”. “Percebi que nossas respostas não têm sido adequadas, enquanto o mundo em que vivemos está entrando em colapso e pode estar se aproximando do ponto de ruptura”, escreveu ele. E ainda disse: “além dessa possibilidade, é indubitável que o impacto das mudanças climáticas prejudicará cada vez mais a vida e as famílias de muitas pessoas.” Dois meses atrás, Francisco disse que, ao lançar a Laudato Si’ e a Laudate Deum, “quis chamar a atenção de toda a humanidade para a urgência de uma necessária mudança de atitude em nossas relações com o meio ambiente, lembrando que a atual ‘crise ecológica é também um chamado a uma profunda conversão interior'”. O nosso papel agora é ter a coragem de Francisco de levar esta mensagem adiante. Obrigado Francisco.

Nossas reflexões sobre a mística do século XXI, a partir das encíclicas Laudato Si e Fratelli Tutti, sempre estão presentes aqui, no blog Ignatiana.

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Luiz Fernando Krieger Merico é graduado em Geologia (UFPR), mestre em Análise Ambiental (UNESP), doutor em Geografia (USP), possui aperfeiçoamento no Schumacher College (Inglaterra) em Economia Ecológica. É autor do livro Mística do século XXI: Guia de Oração com as encíclicas Laudato Si’ e Fratelli Tutti (e-book).

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