A consciência da presença de Deus em minha vida
Elisiê Martins de Paula
Recebi o convite para partilhar um pouco acerca de como a experiência com a espiritualidade inaciana faz diferença em minha vida. Ao pensar sobre o que iria partilhar em um breve texto, um filme passou pela minha cabeça. Quando nascemos em uma família religiosa, sabemos da presença de Deus em nossas vidas, mas para sentir essa presença, às vezes, é preciso percorrer muitos caminhos, e são alguns desses que desejo partilhar neste texto.
Minha mãe conta que ao descobrir que estava grávida pela décima primeira vez, aos quarenta e dois anos, pensou: “Meu Deus! Eu não vou ver essa criança crescer”. Pois, preocupava-a não poder viver o suficiente para me ver crescer e me tornar adulta. Então, ela foi a uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Consolação e Correia, em Belo Horizonte, e rezou, pedindo a Deus que fosse sua companhia na gravidez e que, se fosse da graça Dele, que ela pudesse ter alguns anos ao lado do filho ou da filha que esperava. Considero essa a primeira experiência de espiritualidade em minha vida, por meio da oração de minha mãe.
Nasci saudável, graças a Deus, e fui crescendo e sendo guiada por meus pais na fé católica, levada “pra’s reza do terço”, à missa, acompanhando minha família que participava de movimentos e grupos da Igreja. Era tudo muito natural, eu brincava por esses espaços de oração como quem brinca com os anjos na casa de Deus, com intimidade.
A paróquia onde eu participava há alguns anos estava sob os cuidados dos Jesuítas e a espiritualidade inaciana se manifestava por meio das homilias dos padres, nos EVCs (Exercícios Espirituais de Santo Inácio para a Vida Cotidiana), nas manhãs de espiritualidade, nas formações litúrgicas e nas formações para catequistas, que propunha uma catequese narrativa, aos modos dos Exercícios Espirituais. Entretanto, nem todos os catequistas trabalhavam conforme a proposta da paróquia, e para mim, a catequese ainda tinha ares de escola: decorar as orações, os dogmas da Igreja, ser obediente e temente a Deus, e não cometer pecados porque, senão, Deus castigaria.
Foram alguns anos reproduzindo isso, mesmo sem entender direito seu significado e motivação. Hoje, penso que a abordagem feita por meus catequistas, infelizmente, mais me afastava do que me aproximava de Deus. Havia um sentimento confuso, pois, em casa eu sentia que vivenciava uma experiência de um Deus bondoso, mais próximo, enquanto na igreja, Ele me parecia distante e incompreensível.
Alguns anos depois, em minha época de preparação para a Crisma na mesma paróquia, eu consegui reconhecer a face bondosa de Deus também na Igreja, a partir de uma catequese realmente aos modos da espiritualidade inaciana. Foi nesse período que eu conheci a história de um jovem ambicioso, vaidoso e também confuso, que não entendia muito dos mistérios de Deus: Inácio de Loyola! Essa foi mais uma experiência com a espiritualidade.
Poucos anos depois, eu fui convidada para fazer o EVC em minha paróquia. Ao longo de dois anos de encontros, eu vivi momentos muito marcantes, com partilhas riquíssimas das pessoas que fizeram essa experiência comigo. Senti amadurecimento de minha oração, aproximei-me mais de Deus. Continuei seguindo, criando memórias das experiências que a espiritualidade inaciana me proporcionou por meio de outras vivências posteriores: no grupo de jovens, no Voluntariado Jovem no Anchietanum em São Paulo, no programa MAGIS, em virtude da Jornada Mundial da Juventude, entre outras. Foi um tempo muito bom, mas eu ainda não tinha fôlego (a experiência profunda de Deus) para impulsionar meu caminhar, ainda faltava alguma coisa.
Em 2019, casei-me e me mudei para Brasília. Passei por processos muito consoladores e outros muito desoladores com essa mudança. Sentia-me às vezes perdida. Comecei então a participar da mesma comunidade de CVX (Comunidade de Vida Cristã) que meu esposo, porque sentia que a oração em comunidade me ajudava nessa caminhada ao encontro de Deus. Porém, eu ainda continuava sentindo que faltava alguma coisa, algo que me aproximasse mais de Deus.
Dois anos depois eu engravidei, mas infelizmente, com poucos meses de gestação eu perdi o bebê. Foi uma experiência desoladora, senti uma profunda solidão, de uma forma que nunca havia sentido. Mesmo contando com o apoio de pessoas próximas, a dor era tanta que eu não reconhecia, não sentia a presença de Deus, um total abandono, ainda que rezasse o tempo todo. Meses depois, após esse processo de desolação, eu pude experimentar algo novo:a sensação de que Deus se faz presença sempre, independente de minha percepção objetiva e consciente acerca Dele. Eu compreendi que o que me faltava no caminho era sentir profundamente essa presença. Dei-me conta de que durante meu estado de completa desolação, Deus estava comigo, consolando-me. Ter a consciência desse movimento de Deus em minha direção, fez-me sentir Sua presença. O amor de Deus me envolveu, com leveza, intimidade e confiança, muita confiança, eu pude sentir Sua graça sobre mim.
Ao estar perto de completar quarenta anos, e ainda podendo desfrutar da presença de minha mãe, eu só tenho a agradecer a Deus pelo caminho percorrido até aqui. Por meio da vivência da espiritualidade inaciana tomo consciência diariamente de que Deus continua se fazendo presente também sob os rostos das pessoas queridas que me acompanham nessa jornada da vida. Em minhas orações sinto o Deus amoroso de minha infância e volto a brincar com os anjos na casa Dele.
Elisiê Martins de Paula é leiga, pertencente à Comunidade de Vida Cristã (CVX), CVX Dom Luciano, Brasília (DF).
Imagem: Lígia de Medeiros — Azulejo cadente.
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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

É bonito ver a importância da religiosidade familiar na infância. Obrigada por compartir a maneira que você foi reconhecendo a presença de Deus nas diferentes fases da vida. Seu relato é inspirador!
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Querida Elisiê, que lindo relato! Fico emocionado, pois ler sobre algo tão bonito e profundo me inspira. Inspira a continuar trilhando os caminhos que realmente nos realiza como seres humanos – os caminhos de Jesus.
Grande beijo!
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