Amar o ordinário
Mayara Fonseca
“Ver Deus em todas as coisas e em todas as coisas ver Deus”, é uma das grandes máximas de Santo Inácio de Loyola e foi a que norteou minha primeira experiência com a espiritualidade inaciana.
Pois bem, um dia desses a vida me remexeu, deu uma dessas curvas avassaladoras, que descolam a gente em 180°, e a mim só restou atravessar. Mas como? Onde? Cheshire já anunciava para Alice: “se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve”!
Eu, que sempre tive planos e metas muito bem estabelecidos, me vi sem saber que rota pegar, na verdade mais que isso, que rota traçar. Na tentativa de elaborar tudo que acontecia, lembrei de alguns desejos antigos que fui postergando por não dispor de tempo, algo escasso nos meus dias, um deles era o Exercícios na Vida Cotidiana (EVC).
Iniciei e na medida que ia implementando os pontos de oração na minha rotina percebia a mudança do meu olhar para os acontecimentos, conseguia identificar o sentido na vida (e aqui faz-se a importante diferença entre “da vida” e “na vida”).
O EVC é assim: simples e exigente, é quase um paradoxo. Daquelas coisas que vão dando mais sabor à existência. E foi no hábito de rezar no e o cotidiano que compreendi o quanto demandava amar o ordinário. É preciso coragem. Somos ensinados/as a buscar e celebrar o extraordinário, como se apenas o excêntrico e inabitual fosse sinal de êxito, o grande e esplêndido feito comunicasse de que deu “tudo” certo e por isso merece ser comemorado. É a era do resultado. Não quero dizer com isso que tais acontecimentos não devam ser festejados, porém não só eles. O que seria do resultado sem a beleza e os reveses do processo? Trilhar o caminho inverso tem sido fundamental, olhar e apreciar o itinerário com mais atenção é experimentar a sutileza da vida e ritmar os passos com a Trindade que dança na presença. Afinal, tenho aprendido com Lenine que “a vida é tão rara, tão rara”.
Nessa cinesia, percebi que a Trindade se revela tanto… às vezes por uma notificação inesperada de whatsapp com a frase “Saudade desse abraço”, outras vezes falando que preparou minha comida preferida, ou ainda quando aquele ventinho no silêncio foi minha companhia. Quanta generosidade! O trivial é mesmo da ordem do belo, é capaz de encantar, me faz entrar no movimento de esperançar.
E como eterna aprendiz da minha espiritualidade, reconheci que amar o ordinário é ver a Trindade em todas as coisas, e em todas as coisas ver a Trindade. Uma genuína repetição inaciana. Voltar ao primeiro encontro, mas agora como uma escafandrista, mergulhando cada vez em águas mais profundas na intimidade com o Divino. É humanizar-se. Assim, minha prece contínua tem sido a de alcançar a graça e a coragem de amar o ordinário!
Mayara Fonseca é leiga, pertencente à Comunidade de Vida Cristã (CVX), CVX Nossa Senhora da Estrada, Fortaleza (CE).
Imagem: Lígia de Medeiros
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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

A vida acontece no cotidiano, no ordinário. Obrigada por nos lembrar da importância de estar atenta a ele.
Você tem razão. O EVC é uma modalidade de crescer na espiritualidade inaciana no dia a dia. Obrigada por compartilhar sua experiência.
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