O desvendamento da tentativa de golpe de Estado e as reações que despertam
Guilherme C. Delgado
A semana que se encerrou no dia 10 de fevereiro foi pródiga de novidades no âmbito institucional com a revelação a partir de operações da Polícia Federal, autorizadas pelo STF (08/02), amplamente municiadas de indícios e provas prévias e posteriores, sobre a organização criminosa de um golpe de Estado, sob a chefia do ex-presidente Jair Bolsonaro. Prisões foram realizadas para meia dúzia e buscas e apreensões envolveram ex Ministros, mais de uma dezena de oficiais Generais e outros de menor patente da ativa e da reserva, além de vários civis assessores do ex Presidente e o próprio; e curiosamente até um sacerdote católico de extrema-direita, que fora até recentemente assessor da CNBB nas relações com o Congresso.
Todos os procedimentos policiais obedeceram ao devido processo legal, amplamente amparados por informação indiciária prévia, com consequências da maior relevância para o esclarecimento de responsabilidades de cúpula na organização do golpe de Estado fracassado, cuja chefia é convergentemente indicada à figura do ex Presidente.
Houve e continua a acontecer reações à Operação Policial, em sua maioria muito positivas no sentido do fortalecimento democrático e da punição devida aos envolvidos, observados seus direitos de defesa. Mas há também reações invertidas, de mal disfarçada cumplicidade, invocando argumentos corporativos, ‘formalismos legais’ e até mesmo o ‘sagrado segredo da confissão religiosa’, supostamente contido em aparelho celular apreendido do sacerdote. Tudo isto convém revelar, para também desvendar o que têm em mente essas pessoas no âmbito das instituições de que participam.
Comecemos pelo Pe. José Eduardo da Diocese de Osasco-SP, que também exerceu por algum tempo função de assessoria da CNBB junto ao Congresso. O sacerdote reagiu perante a apreensão legal do seu celular, afirmando não fornecer a senha para preservar os segredos de confissão religiosa, supostamente gravados no aparelho. E assim tenta se defender, negando o óbvio de suas relações políticas tortuosas, por caminhos nada sagrados, e ainda por cima invocando proteção religiosa de forma até mesmo pueril.
Outra reação de apelo corporativo similar vem do Senador Hamilton Mourão (ex Vice Presidente na gestão passada), que invocou privilégio de julgamento dos militares envolvidos pela Justiça Militar, para o que pede também interferência dos Comandos Militares das Forças Armadas; ignorando o fato de que o tema já está resolvido pelo Plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), com o normal e obrigatório assentimento do STM (Superior Tribunal Militar). Ademais, o tema não é nem poderia ser da competência dos Comandos Militares, que por sinal nenhuma simpatia têm revelado às sugestões do Senador Mourão.
Por último, temos uma reação no mínimo curiosa – do jornal Folha de São Paulo -, advertindo contra a prisão do ex Presidente Bolsonaro e solicitando o afastamento do Ministro Moraes (STF) da presidência do Inquérito do STF, que depois o dia 08/01/2023 investiga a tentativa de golpe de Estado. O argumento da Folha é de que o Ministro Moraes sendo vítima da tentativa de golpe não poderia presidir o inquérito e supostamente deveria passar a investigação para outro Ministro ‘isento’. Em benefício da inteligência e percepção dos fatos pelos leitores, deixo esta tese sem comentário.
Ressalvados estes casos e outros congêneres que ainda poderão surgir, as reações da sociedade, das instituições políticas e do próprio Estado Democrático são muito positivas. Vários juristas da instituição “Prerrogativas” têm observado a diferença do modo de proceder do atual inquérito no âmbito do STF, comparativamente ao modo de operação da “Lava-a-jato”. No caso em apreço, perante uma delação premiada do Tenente Coronel Mauro Cid (Ajudante de Ordens do Ex-Presidente), colhem-se em vários meses subsequentes indícios e provas daquilo que foi relatado pelo depoente, procedendo-se em seguida a corroboração do depoimento com a operação de buscas e apreensões e de algumas prisões de vários pessoas com indícios fortes de participação na Organização Criminosa. Diferentemente, os procedimentos da Lava-a-jato de Curitiba e do Rio produziam delações e as utilizavam como prova solteira do crime cometido, encarcerando desde o início os acusados, com longas prisões preventivas.
Aparentemente chegamos a um ponto de não retorno relativo às investigações ora em curso, qual seja o da indicação comprovada do núcleo dirigente da Organização Criminosa. Mas é preciso advertir, que o trabalho precisa prosseguir e que haverá reações previsíveis das muitas cumplicidades e omissões, que a todo custo tentarão minimizar, abortar e desviar a atenção sobre os crimes cometidos.
Guilherme Delgado é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Imagem: Vik Muniz. 8 de janeiro de 2023. Painel fotográfico, 2024.
Política Extrema-direita Golpe de estado Operação Policial Polícia Federal Supremo Tribunal Federal (STF)
Ignatiana Visualizar tudo →
IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.
