Uma experiência de vida e de discernimento junto à CVX

Dalmo Coelho

The difficulty in life is the choice.

George Moore

Para começar a falar sobre o discernimento em nossas vidas (Camila e eu caminhamos juntos há quase duas décadas), seria bom começar pelo começo e buscar uma das primeiras fontes. Santo Inácio nos ensina que “há em mim três tipos de pensamentos: os primeiros, propriamente meus, que nascem da minha liberdade e da minha vontade; os outros dois vêm de fora, um do bom espírito e outro do mau espírito”. Também em seus Exercícios Espirituais (EE) encontramos as Regras para Discernir os Espíritos (EE 313 a 336).

O padre Horacio Carrau sj em seu texto à CVX “Discernimiento Apostolico Ignaciano” nos lembra que não se trata de uma “álgebra espiritual” (como uma fórmula que tiramos do bolso para aplicar em determinadas situações), mas é antes de tudo graça, arte e sabedoria. E, nesse texto, enumera diversas dicas para fazer um bom discernimento comunitário.

Quando explicávamos aos jovens no Crisma da paróquia sobre a importância do discernimento, questionávamos: saber escolher entre algo bom ou mau pode até ser simples e a decisão mais clara. E como fazemos para escolher entre duas opções: uma que seria boa e outra que seria melhor para a nossa vida? É para isso que serve o discernimento espiritual: escolher dentre mais de uma opção aquela que melhor corresponda à vontade de Deus, ou, em termos um pouco mais concretos, a que mais contribua para a edificação da Igreja e/ou da Sociedade. 

Ante a vasta bibliografia sobre o tema e as centenas de vídeos na internet sobre o assunto, podemos ser induzidos a pensar que o discernimento espiritual só deva ser aplicado a grandes decisões como a opção por uma vocação, por um estilo de vida, para a escolha da profissão etc. Entretanto, lembremos da atitude permanente de Santo Alberto Hurtado que no Chile aplicava esse método diversas vezes ao dia e a cada pequena escolha costumava dizer: “Contento, Señor? Contento!” (o Senhor está contente com o que fiz? Então eu também estou contente!).

Na CVX, aprendemos que discernimento não se deve fazer apenas uma vez ou outra, mas de uma forma contínua e perene, tanto individual quanto comunitariamente, e, às vezes, até verificando se o discernido sobre um tema ou projeto continua válido, para a maior glória de Deus. No Chade, há um provérbio que diz: “Se errares o caminho, volta ao cruzamento!”.

Buscando fundamentação bíblica, encontramos algumas dicas preciosas no capítulo 13 do Evangelho de Mateus: a parábola do joio e do trigo (que nos ensina a não ter pressa para escolher), o grão de mostarda (as grandes coisas dependem das pequenas decisões) e o fermento na massa (a importância de estar junto, nunca afastado/a e nem acima das pessoas).

Em nossa caminhada comunitária, matrimonial e na espiritualidade inaciana esses anos, percebemos algumas armadilhas sutis quando no discernimento e na tomada de decisão: uma delas é a rigidez de pensamento, quando estamos apegados/as a alguns conceitos ou premissas socioculturais que podem condicionar o nosso discernimento. Nesse caso, pode nem haver discernimento propriamente, pois a decisão já é tomada previamente com base num arcabouço afetivo ou psicólogo que mal percebemos. Seria como inverter os papéis e submeter a Deus uma folha toda preenchida pedindo-O para assinar (quando nós é que deveríamos assinar uma folha em branco e pedir para Deus preencher!).

E como escapar dessa armadilha?

Aí pode ser bom retomar a parábola do joio e do trigo (Mt 13, 24-30) e após certo tempo poderíamos humildemente nos perguntar: quais foram os frutos daquela decisão? Seria o caso de alguma revisão? Alguém ou algo poderia ajudar a agregar mais elementos para refinar a escolha? Preciso pedir perdão para alguém ou por algo?

De fato, para escapar desse tipo de situação, muito pode nos ajudar um mestre no discernimento como o Papa Francisco, que no número 168 da Exortação Gaudete et Exsultate nos lembra: (Jesus nos chama) “a examinar o que há dentro de nós – desejos, angústias, temores, expetativas – e o que acontece fora de nós – os «sinais dos tempos» –, para reconhecer os caminhos da liberdade plena: «examinai tudo, guardai o que é bom» (1 Ts 5, 21)”.

Outra situação que sói ocorrer é a tentação de tomar decisões em tempos de dificuldades ou de desânimo. Aqui vale lembrar a famosa regra de ouro: quando andamos à noite numa floresta escura e bateria da lanterna acaba, o melhor é esperar amanhecer para seguir caminhando.

Há grandes chances de tomar uma decisão errada e se perder entre as muitas trilhas em meio à uma noite escura: de novo o conselho da espera e da paciência podem nos ajudar a tomar melhor decisão em clima mais apropriado. Ou como nos ensina Santo Inácio: em tempo de desolação, nunca alterar decisão discernida (EE 318).

E isso é um pouco do que viemos aprendendo sobre discernimento na vida… Não que dominássemos todo esse conhecimento sobre o tema há alguns muitos anos atrás, mas, felizmente, sempre estivemos próximos a pessoas da CVX e a grandes amigos como os saudosos padre Herreros sj e o padre Vítor Bertoli, da Região Sé (SP) que nos orientaram (nessa matéria de discernimento, é sempre importante ter um bom guia para nos acompanhar) e ajudaram a encontrar as melhores decisões, além de evitar tropeçar em alguns buracos!

Foram pessoas amigas que com palavras e com seus exemplos nos iluminaram a escolha do caminho a eleger. Por exemplo: em um determinado momento da vida estávamos com bons empregos na cidade de São Paulo e o nosso filho mais velho ainda era pequeno. Nisso, a Camila passa em um concurso Federal para um cargo de maior responsabilidade, mas na cidade de Brasília, o que significaria eu ter que me demitir do cargo de gerência que ocupava numa instituição financeira.

Além da mudança na vida profissional, havia também as mudanças nas relações na pastoral, amigos, família etc. Colocamos essa decisão em oração e mesmo compartilhando com amigos da comunidade e com a família: o que fazer? Seria melhor trocar uma vida segura e conhecida por essa possibilidade de mudança geográfica cheia de incertezas? Onde poderíamos contribuir mais? Por quanto tempo conseguiríamos sustentar nossa família (e olha que em meio a esse processo nasceu o nosso caçula!).

Ocorreu que, com o tempo, respostas e sutis sinais foram aparecendo e iluminando o caminho. Decidimos nos mudar, pedi demissão do banco e viemos pra Brasília em dezembro de 2013 de mala e cuia! Com a ajuda de um casal amigo (Raquel e Joaquim), conseguimos um lugar adequado para morar e logo que chegamos, fomos super acolhidos na Capela São Francisco (que depois viria a se tornar paróquia) e na Comunidade CVX São José (graças à comunicação do Celso, de São Paulo, com o pessoal de Brasília).

Camila começou com suas atividades logo após o término da licença maternidade e eu fui buscando emprego e fazendo concursos na capital federal. Hoje, trabalho na engenharia do Metrô do DF (particularmente sinto que meu trabalho gera mais benefícios à sociedade do que nos tempos de mercado financeiro) e Camila na assessoria do Ministério da Saúde. Nossos filhos fazem catequese na paróquia que nos acolheu e estamos envolvidos em algumas iniciativas da CVX aqui no Distrito Federal, inclusive na articulação do Conselho de Leigos/as na Arquidiocese.

E seguimos juntos pelos caminhos da vida: enquanto houver vida, há discernimento por fazer… Nesse processo, nos chamou atenção a importância do diálogo comunitário para ajudar a eleger o melhor, mesmo parecendo a opção mais difícil, afinal discernimento pressupõe abertura: onde há egoísmo, o amor tende a encontrar mais dificuldade para frutificar. Talvez uma última dica preciosa que poderíamos deixar sobre o assunto seria o ensinamento de um velho assessor: “se depois de todo processo de discernimento ainda não tiver clareza sobre qual decisão tomar, peça que o Senhor fale mais claro!”… e olhe que Ele fala!

Para saber mais:


Dalmo Coelho é engenheiro, peregrino, grapiúna, leigo pertencente à Comunidade de Vida Cristã (CVX), Comunidade São José, Brasília (DF).

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Imagem em destaque: Lígia de Medeiros. A Piscina. Painel em azulejos.

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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

1 comentário Deixe um comentário

  1. Obrigada por compartilhar o discernimento inaciano feito na vida cotidiana, esse grande presente inaciano que ajuda a concretizar a fé!

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