Buscando a vontade de Deus

Arquigenia Rodrigues Soares

Aos vinte e dois anos de idade senti a necessidade de servir a Deus de uma forma mais concreta. Desde que realizei o Sacramento da Crisma, fiquei querendo algo mais; mas não encontrava. Fiz uma experiência num Convento, mas segundo a Superiora que me orientava, eu teria que conhecer mais o mundo lá fora. 

Após semanas com sentimentos de frustração e rejeição, resolvi buscar sozinha o caminho que pudesse encontrar Deus e realizasse a minha missão. Sempre tive uma impetuosa vontade de realizar as coisas enfrentando desafios. Procurei conversar com outras religiosas e uma delas indicou-me um grupo de jovens adultos que se reuniam na Paróquia e que tinha o nome de CVX. Fiquei curiosa para entender o que significavam essas letras. Aguardei ansiosa chegar o dia da reunião e fui me apresentar, apesar da timidez, algo me impulsionava e dava coragem para enfrentar. Diante de olhares de recusa e de um grande NÃO, fiquei intrigada porque não podia fazer parte daquele grupo aparentemente composto por pessoas iguais a mim, ou seja, leigos trabalhadores e que queriam servir a Deus de uma forma diferente das religiosas e dos padres. Questionei então. Foi aí que informaram que eu precisaria conhecer Santo Inácio e os Exercícios Espirituais, e só depois desse conhecimento é que poderia fazer parte da CVX. Entendi e aceitei de bom grado fazer esse estudo e não me arrependo.

Busquei uma orientadora para me acompanhar e que tivesse experiência nos Exercícios Espirituais na modalidade EVC, foi o que me recomendaram. Além disso, li a autobiografia de Santo Inácio que um amigo emprestou. Depois de oito meses de estudos e partilhas com minha orientadora, Irmã Judith, achei que já estava preparada e fui novamente ao grupo reunido num sábado à tarde na Paróquia. Fui recebida por todos e a coordenadora do grupo falou que já havia dito os passos e que não era pra insistir. Prontamente respondi que já havia cumprido tudo o que foi indicado e que agora gostaria de aprofundar a Espiritualidade Inaciana junto com eles. Foi assim que ingressei na Comunidade de Vida Cristã. Encontrei dificuldades, mas não desisti porque creio que era a minha vocação ser membro CVX e a fé que tenho em Deus foi concretizada nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio. 

Assim como no início, durante toda a minha caminhada na CVX, enfrentei vários desafios. Mas renovava minha fé em cada obstáculo superado, e isso me fortalecia muito. Fiz o primeiro retiro de oito dias com o Padre Walter SJ. Uma experiência muito marcante, profunda que mudou a minha vida em relação a tudo. Senti-me comprometida a partir daquele dia. 

Diante do comprometimento com a minha comunidade e com a regional, fui indicada para fazer o Curso Magis, o primeiro. Foi muito desafiador! Mais uma vez Deus estava me dando uma oportunidade de conhecimento profundo do seu amor na Igreja, no irmão, no mundo e na minha missão. Encarei com fé e coragem a viagem para outro país pela primeira vez, com outra língua, mesmo sem saber falar espanhol. Tive uma tutora para orientar meus estudos que duraram três anos. Essa foi a experiência que me fez descobrir a dimensão da CVX no mundo. A partir da conclusão do curso, senti que era chegada a hora de partilhar tudo que vivi e que foi maravilhoso. Mas não tive como. Talvez porque eu ainda não estava pronta.

Continuei minha trajetória porque ainda havia muito que aprender. 

Fui eleita representante da Regional Bahia, participei de reuniões com outros regionais. No início tudo era muito estranho, o jeito de falar, de rezar, parecia que estava em outro mundo. Na verdade eu era uma jovem participando de reuniões com pessoas com inúmeras experiências. Particularmente fui crescendo em conhecimentos e missão. Estava me sentindo útil, viva, com todo entusiasmo e boa vontade.

A novidade que invadia o meu ser com tanta força e alegria, teve que conciliar-se com a realidade da minha vida pessoal e profissional que estavam bastante conturbadas. Meu pai adoeceu e ficou desempregado. Diante disso, minha participação para suprir as necessidades da família passou a ser fundamental. Estava estudando Teologia e trabalhando. Nesse momento percebi o quanto somos frágeis. Até então via em meu pai a pessoa mais forte da casa, não tinha medo, ele me protegia e me dava segurança. No entanto caiu diante de mim aquela fortaleza toda, e agora era um ser totalmente dependente. Estava iniciando uma nova missão, mesmo sem saber ainda. Com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, continuei perseverando em minha caminhada. Fazendo retiros, cursos de aprofundamento, servindo o quanto podia.

No ano 2000, tive uma reviravolta em minha vida. Fiquei desempregada e sem perspectiva nenhuma, resolvi fazer concursos em Salvador e também em outro estado com ajuda de amigos e familiares. Passei nos dois, mas tive que aguardar a convocação. Enquanto isso, trabalhei num orfanato em Natal no Rio Grande do Norte. Sendo mãe social. Senti na pele o sofrimento da fome, do abandono, da falta de amor convivendo com aquelas crianças. Quanta experiência de Deus tive nos momentos solitários que passei longe da minha família. Mas Deus tinha outros planos para minha vida. Meus pais precisavam mais de mim do que aquelas crianças que tinham como me substituir. Então voltei pra Salvador e comecei uma nova jornada em busca do cumprimento da vontade de Deus. Encontrei meus pais numa situação degradante. Prometi a Deus e a eles que nunca mais iriam sofrer daquele jeito.

Finalmente fui convocada pela Prefeitura de Salvador e comecei a trabalhar recebendo um salário digno e que possibilitou dar uma vida razoavelmente confortável para meus pais. Nesse retorno a Salvador, procurei o Pe. Emílio para me acompanhar na Luz do Espírito Santo e celebrar a minha Consagração à Nossa Senhora, onde também assumi cuidar dos meus pais em todos os sentidos até que a morte nos separasse. Essa está sendo até hoje a minha missão.

Dias, meses e anos se passaram e Deus presente sempre em minha vida. Fortaleci a minha fé permanecendo em oração através da dinâmica dos Exercícios Espirituais atuando em minha Comunidade. Acompanhei também um grupo de jovens recém crismados que após dois anos tornaram-se pré CVX. E amadurecendo seus anseios para serem uma Comunidade, filiaram-se tendo-me como Assessora. Com o tempo, os jovens foram tomando novos rumos em suas vidas ao ponto de não poderem mais se reunir e por isso tiveram que desfiliar-se da CVX. Até hoje tenho um sentimento de frustração por não ter conseguido fazer com que permanecessem na CVX. Mas sei que não posso controlar os desígnios de Deus. Atualmente nos encontramos em reuniões sociais e somos amigos. Diante desse fato, acredito que a vocação CVX não estava aflorada, pois tiveram a facilidade que eu não tive pra ingressar na CVX. Foram acolhidos por todos, mas seus anseios eram outros.

Na vida passamos sempre por provações sejam positivas ou negativas, sempre nos marcam profundamente. Tive uma experiência rica quando o Sobrinho foi Coordenador Nacional. Responsabilidades, afetos, serviços, comprometimentos, oração, tudo envolvido em uma só missão. A disponibilidade e a abertura para acolher a demanda que era manter a CVX Nacional, na medida do possível, organizada, informada e abençoada por Deus. Foi muito bom cumprir a fase de Secretária do CEN!

Passei um bom tempo descansando dessa jornada de ser Secretária que no último ano foi bastante árdua. Enfim, comecei a investir na atualização da minha formação. Já estava sem acompanhante e mergulhei num período de deserto. Nada fazia sentido pra mim. Fiquei longe de tudo e de todos. Fiz uma experiência de autoconhecimento e pra isso precisei mergulhar no meu mais profundo ser. Com o auxílio de uma especialista, consegui me conhecer mais e a entender aspectos que até então eram ocultos. Percebi então, a necessidade de ter também alguém para ajudar-me espiritualmente, pois sentia que não estava completa. Busquei uma acompanhante espiritual para juntas descobrirmos a vontade de Deus através dos Exercícios Espirituais. Após nove anos sem retiro de oito dias, realizei em Mar Grande, tendo como orientador o Pe. Emanuel SJ. Foi como um alimento que há muito tempo não recebia. Fiquei fortalecida na fé e no conhecimento profundo da espiritualidade inaciana. Encontrei Deus na paz, no silêncio, na natureza, no irmão, em mim…

Hoje estou no caminho, não sei onde irei parar. Mas tenho a certeza que Deus sempre irá me conduzir. 


Arquigenia Rodrigues Soares é leiga, pertencente à Comunidade de Vida Cristã (CVX), comunidade Vida e Esperança, Salvador (BA).

CVX: Uma Vocação

Imagem: Lígia de Medeiros. Azulejo Grade. Alguém vazou!



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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.

1 comentário Deixe um comentário

  1. Obrigada por compartilhar sua busca da vontade de Deus! Especialmente por não se deixar parar pelod não, mas perseverar na busca! Deus é bom!

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