Os direitos humanos (indígenas) em face da restrição do marco temporal
Guilherme C. Delgado
Dois acontecimentos, o primeiro deles na Câmara Federal (votação do PL 490/2007 em 30/05/2023) e o outro no STF (tramitação do Recurso Extraordinário sobre o “marco temporal” em 07/06/2023), reacenderam as discussões sobre o tema do marco temporal para demarcação das terras indígenas, datado de 05de outubro de 1988 (Promulgação da C.F.). Infelizmente, o teor dessas discussões pouco ajuda a discernir até mesmo sobre o que sucedeu em relação aos acontecimentos mencionados.
Com relação à decisão da Câmara Federal, precedida de votação de urgência para apreciação do Projeto de Lei apresentado em 2007 (PL 490/2007), que trata do tema em apreço; houve de fato uma operação parlamentar calculada, na linha do ‘criar dificuldades para vender facilidades’, que redundou no vistoso resultado favorável ao referido Projeto -283 X 155. Mas pasmem os leitores, o PL na versão final do Relator Arthur Maia, pretensamente extinguiria o Art. 231 da Constituição Federal e seus sete parágrafos, a pretexto de regulamentá-los, que tratam dos direitos territoriais e étnicos dos povos indígenas, sem quaisquer marcos temporais restritivos à imagem e semelhança do referido PL.
Por outro lado, a matéria que correu o mundo, incorretamente veiculada, foi a de que o Parlamento brasileiro aprovou o marco temporal restritivo aos povos indígenas, elencando todo o conjunto de maldades do texto, incluindo a destituição de territórios já demarcados. No entanto, é primário que um Projeto de Lei precisa passar pelas duas Casas do Congresso e ao final da tramitação, receber sanção ou veto do Presidente da República; retornando em seguida à apreciação (dos vetos) pelo Congresso (unicameral), sob a presidência do Presidente do Senado Federal à votação. E estes vetos somente podem ser derrubados por maioria absoluta dos membros totais do Congresso.
Por sua vez, se a matéria que subsistir da apreciação final do Congresso for flagrantemente inconstitucional, como poderia ser o caso em apreço, a própria lei assim gerada, poderia ela própria morrer antes de nascer, no caso em que o STF julgasse inconstitucional o princípio do marco temporal; que por sinal já está na pauta do segundo acontecimento mencionado no início deste artigo.
A temporada de más notícias em relação às votações recentes da Câmara Federal, certamente não se restringe ao “marco temporal”, que diga-se de passagem, não é projeto de tramitação recente, mas de 16 anos atrás (2007), que por obra e graça do Presidente da Câmara Arthur Lira virou prioridade nº 1 na sua persistente disputa de espaço com o Palácio do Planalto e com o próprio STF.
Não restam dúvidas de que há jogos de poder em cena, na linha de avanço do retrocesso, principalmente nas pautas de direitos humanos, indígenas e ambientais, com apoio de forças políticas de extrema-direita, aliados ora sim, ora não aos setores fisiológicos do Congresso. Mas não nos parece na conjuntura que estas forças estejam hoje tão capacitadas, para realizar aquilo que nem no governo anterior conseguiram realizar. O momento político clama por alerta, mas sem se deixar contaminar por sentimento de catástrofe iminente ou pelo derrotismo antecipado.
Direitos indígenas
são parte integrante dos
direitos humanos
Direitos indígenas são parte integrante dos direitos humanos. Adquirem certa repercussão e protagonismo internacional no tempo presente, face a cada vez mais evidente “Questão Ecológica” planetária. E internamente têm respaldo pleno do pacto constitucional de 1988, que deve prevalecer sobre os arroubos autoritários que se imiscuem em iniciativas legislativas de retrocesso ora em curso. Quebrar esses direitos significaria destruir a própria memória viva da nação, levando de roldão o Estado de direito e a democracia. E não parece razoável admitir que esses valores possam ser quebrados pela idolatria da “mercadorização” das terras indígenas, protagonizada por verdadeira “indústria” da grilagem de terras públicas, que é o enredo subjacente às iniciativas de retrocesso ora em curso.
Guilherme Delgado é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Imagem: Albert Eckhout (1610-1666). Chasseur Indien, 1778 [tapeçaria]. Enciclopédia Itaú Cultural.
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