Momento crucial e crítico do Brasil
Guilherme C. Delgado
O leitor a esta altura da campanha eleitoral está de certa forma fatigado com a frequência das análises de conjuntura eleitoral, que desde o dia 02 de outubro sobrecarregam os meios de comunicação. Igualmente estressante tem sido os esforços das campanhas eleitorais para convencê-lo a votar nesta ou naquela direção, incluindo àqueles que fazem uso explícito e direto do nome de Deus no processo político eleitoral, apelando às notícias falsas e a muitas formas de manipulação da fé. Vou tentar outro tipo de abordagem, de apelo ao livre discernimento ético das pessoas, a partir do título deste artigo.
Pessoas individuais e sociedades humanas vivem na história seus momentos cruciais e os interpretam de maneiras muitas vezes opostas ou até mesmo indiferentes, mas ninguém escapa das cruzes da caminhada da vida.
Na linha da tradição de dominação política romana, a cruz é um instrumento de crueldade a ser utilizado como forma de terror aos que então eram considerados opositores ou potenciais opositores dessa dominação. Antes de Jesus de Nazaré, a história narrada nos próprios Evangelhos revela muitos casos de crucificação individual ou coletiva a serviço desse projeto romano de dominação. Mas somente a partir de Jesus de Nazaré, sofrendo as consequências dessa crueldade política, é que pelo seu gesto solidário à humanidade, transforma um instrumento de terror em sinal de libertação. Essa transformação é tão radical, pois é partir dela, que se manifesta a Ressurreição de Cristo e a definitiva afirmação da plenitude da vida contra aquilo que a psicologia moderna chama de ‘pulsões de morte’.
Quando intitulamos este artigo de “Momento Crucial e Crítico do Brasil”, tínhamos consciência da ambivalência política e religiosa, que ainda persiste na história do tempo presente ao sentido da cruz na vida política do Pais, ora de dominação pela opressão, ora de abertura dos caminhos à libertação. E infelizmente essa ambiguidade não foi resolvida por completo e continua a produzir muitas inversões éticas em nome do deus da crueldade romana, oposto em tudo ao Deus misericordioso e libertador de Jesus de Nazaré.
O dia 30 de outubro será, como foi também o dia 02/10, data significativa para discernimento ético dos rumos que sociedade brasileira quer para seu futuro político. Em 2 de outubro tivemos sinais ambivalentes em todo o País, com diferenças regionais significativas. Mas uma maioria expressiva de 6,2 milhões de eleitores entre os dois principais candidatos que vão ao segundo turno fez opção por valores políticos de libertação inequívocos, tais como regime democrático, igualdade social e defesa de direitos humanos e ambientais. Foi um voto na linha do “Creio na Justiça e na Esperança”, livro paradigma do Bispo Pedro Casaldáliga, que pela sua fé continua vivo no meio de nós, conclamando-nos a fazer discernimentos cruciais ao sentido transformador de Jesus de Nazaré.
É importante destacar que o discernimento ético político transformador não se restringe à data das eleições. Mas a partir da data eleitoral desencadeia-se o processo ou se o bloqueia. E desencadeado um processo positivo, muitos outros terão que se seguir, para que os caminhos de libertação enunciados em 02 de outubro não se frustrem na caminhada concreta do ‘terceiro turno’, nem se deixem intimidar pelos que praticam a crueldade da cruz como método da política.
Finalmente, é preciso dizer uma palavra aos indiferentes no processo eleitoral – neutros, ausentes voluntários, votantes em branco ou nulo etc. Seus gestos não os livrarão de carregar a cruz social na história, como àqueles que ao se omitir no momento oportuno à separação do joio e do trigo, terão por consequência em acréscimo – a colheita futura de safras ultra infestadas por pragas.
Guilherme Delgado é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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IGNATIANA é um blog de produção coletiva, iniciado em 2018. Chama-se IGNATIANA (inaciana) porque buscamos na espiritualidade de Inácio de Loyola uma inspiração e um modo cristão de se fazer presente nesse mundo vasto e complicado.