Nossa Senhora e as Mulheres na vida de Santo Inácio

Joana Eleuthério

Nas Revelações do Amor Divino,Santa Juliana de Norwich fala da maternidade de Deus e defende que a doce palavra “mãe”, atributo divino, deve ser usada apenas para falar da divindade.
Maternidade é essência de amor, benevolência, cuidado, sabedoria, conhecimento, bondade …
A doçura e a ternura desses atributos são naturalmente devidos à Virgem Maria, Santa Juliana transportou-os para Deus.
— Deus é mãe da natureza, está no homem, na humanidade e todas as coisas estão em Deus. Dizia ela.

Inácio, nascido Ínigo López de Loyola, teve
Maria muito presente em toda a sua vida:
apoio e luz nos momentos críticos, mãe
atenciosa e amorosa para com seus filhos.
O menino cresceu sem a mãe – que faleceu muito jovem.
Isso marcou profundamente o Santo, que
nunca falava nela, dizem seus biógrafos.
A Virgem Maria foi a grande devoção da família Loyola
e a infante devoção de Iñigo ajudou-o a lidar com essa lacuna.
A principal devoção daquela região da Espanha era Nossa Senhora,
com muitas igrejas e imagens dedicadas a ela, onde
o menino Iñigo deve ter rezado muitas “ave-marias”.
Peregrino, ele visitava capelas e santuários marianos.
Grande devoto da Mãe de Jesus, sempre amou e confiou
na Mãe divina e o zelo filial de Inácio levou-o a brigar por ela…
A virgindade de Maria foi a provocação daquele muçulmano
 que quase experimentou a hábil espada de Inácio de Loyola.

O jovem fidalgo, com gestos nobres e atitudes respeitosas,
atraía as mulheres e o seu carisma espiritual cativava-as para o Reino.
O Santo era orientado pela maternidade divina coletiva – Deus Pai,
em sua Trindade Santa, em parceria de Nossa Senhora e São José.
O projeto de Deus sempre contou com esse casal e esse coletivo
materno conduziu as atitudes e mudanças importantes na vida de Inácio.
Acordado, ainda como Iñigo, o convalescente teve uma belíssima visão,
de Nossa Senhora e do Menino Jesus, trazendo-lhe uma consolação
imensurável, então ele passou a sentir nojo de sua vida passada.
Radical, Ínigo não mais cedeu a tentações da carne – Graça de Deus.
Toda essa maravilha de afetos maternos sagrados fez com que Iñigo
tivesse muita delicadeza e respeito no seu trato com as mulheres.
A relação de Santo Inácio com elas foi muito importante e significativa,
mas não ocorreu sem problemas.

Sua ama de leite, Maria de Garín, foi a primeira mãe terrena,
mas o afeto verdadeiramente maternal veio mais de sua cunhada,
Madalena de Araoz, casada com o irmão mais velho.
Ela lhe deu a primeira educação, cuidou dele na longa
recuperação depois do acidente na guerra – tratou os ferimentos
e lhe deu os livros que iniciaram a conversão do Santo.
Muito bonita, Iñigo se encantava e se perturbava na presença dela.  
“Até mesmo quando ele contemplava Nossa Senhora, cujo
semblante, lembrava muito o de Madalena.”

Em seguida, temos a “dama de seus sonhos”, que ele levou
no coração e nos planos de futuro por longo tempo.
Em Arévalo para estudar, a mando do pai, Iñigo ainda jovenzinho
teve uma vida de muita liberdade sexual, só atenuada pela
lembrança de Carolina, sua jovem amada.
Rumo a Jerusalém, Iñigo ainda encontrou muitas mulheres
que o ajudavam e protegiam…

No Santuário de Montserrat, Ínigo fez uma parada, confessando-se dos pecados de toda a vida. Passou a noite ajoelhado em orações aos pés de Nossa Senhora, onde depositou suas armas e partiu sem elas, foi a Vigília das Armas. Trocou as suas ricas vestes com as de um mendigo, vestindo-se como penitente para seguir viagem.

Na cidade de Manresa foi acolhido por Inês Pascual,
que o levou ao asilo e lhe deu a primeira refeição.
Muitas outras se juntaram a ela para cuidar dele e para ouvi-lo
sempre falando das coisas de Deus – o peregrino,
vítima de mexericos, teve de antecipar sua ida para Barcelona.
Ali, Inês Pascual ainda cuidava dele, Isabel Roser se juntou a ela e o
encorajaram a voltar a estudar e o ajudaram no embarque para Terra Santa
Duas amigas por toda a vida.

Ainda na cidade de Manresa uma mulher idosa, uma antiga serva de Deus,
conhecida e respeitada como tal em quase toda a Espanha, chegando
a ser chamada para conversar com o rei católico D. Fernando.
Certa vez, estando ela proseando com o novo soldado de Cristo, disse-lhe:
– “Oh! Praza ao meu Senhor Jesus Cristo que um dia vos queira aparecer!”
Inácio assustou-se, mas tomou a coisa como brincadeira: – “quem sou eu?”
Não foi possível identificar esta famosa mulher, citada na autobiografia
de Inácio de Loyola, em dois pontos da narração: nos números 21 e 37.

Em Barcelona, tudo parecia ficar melhor e as pessoas devotas de Inácio
criaram um “círculo inaciano” dedicado à oração e às obras de caridade.
Dois jesuítas vieram depois para dar apoio espiritual ao grupo,
especialmente às mulheres lideradas por Isabel Roser
A família Roser acolheu Inácio na casa deles, pagou sua peregrinação
a Jerusalém e suas aulas de latim e filosofia naquela cidade.
Isabel nunca perdeu contato com Inácio, mesmo durante as viagens dele.
Ela enviava-lhe dinheiro para as necessidades como “a mãe boa e gentil”,
como Inácio costumava dizer a ela, com amor suave e verdadeiro.
Isabel continuava recrutando mais mulheres nobres para o círculo.

Em Alcalá, Inácio continuava os estudos e muitas mulheres
iam procurá-lo para receber dele os exercícios espirituais.
Eram mulheres casadas, viúvas, moças bonitas…
Algumas imprudentes não zelavam de questões como
horários e tomavam iniciativas descabidas, sem contar
os desmaios e casos de histeria, situação que quase
levou o santo à inquisição pelo apostolado malvisto.
— O convertido Inácio dependeu muito de mulheres ricas para poder
estudar, viajar, socorrer e alimentar os pobres por onde passava
.

A Companhia de Jesus existe também em função da generosidade e da amizade
de muitas mulheres, como Inácio reconhecia e lhes era muito grato.

Inácio entre as mulheres sempre deu origem a intrigas maldosas
Em Roma, na casa onde vivia com outros companheiros e acolhia
crianças, mulheres necessitadas e até prostitutas para assistência
material e espiritual, os boatos ficaram ainda mais pesados.
Inácio teve que pedir mais prudência aos seus amigos, adotando uma
Estratégia, que também os protegia em relação ao convívio feminino.
“Deixaremos de lado o exterior e não consideraremos as criaturas
como belas ou amáveis, mas como lavadas no sangue de Cristo, como
imagens de Deus, como templo do Espírito Santo.”

Todavia, o Santo sempre trocou cartas com senhoras de “alta classe”: para direção espiritual ou manter contato com suas benfeitoras que ajudavam nas obras da Companhia, ou em outro tipo de auxílio, como aconteceu com a Rainha Catarina de Portugal, no doloroso e complicado caso com o jesuíta português, Simão Rodrigues.
Sem esquecer da inconveniente duquesa Eleanor de Florença e suas muitas promessas ao vento; da grande colaboradora Margarida da Áustria e também de Leonora Mascarenhas, governanta do Rei Felipe II; a monja beneditina Teresa Rejadell, de Barcelona, destinatária de uma belíssima carta-resumo da concepção de vida espiritual de Inácio e comentários das regras de discernimento.
Inácio queria restaurar o fervor nas comunidades religiosas … Isso também foi problemático. Apesar dos pedidos de alguns bispos, Inácio não aceitou o convento sob a obediência da Companhia – situação deveras delicada.

O caso mais complexo é o de Juana da Espanha, filha de Carlos V.
Na sua viuvez, ela queria levar uma vida monástica, queria ser jesuíta.
Ela impôs sua vontade real e Inácio, contrariado não ousou recusar.
Admitida secretamente, fez votos de escolástica e ganhou um nome
masculino – Mateus Sanchez – para ser usado nas correspondências.
Com poderes de regente do país, inteligência política, autoritária e imperativa defendeu os jesuítas das agressões de Melchior Cano e do bispo Silíceo, favoreceu a fundação do Colégio Romano e o de Valladolid e reformou vários conventos.
— Apoio precioso que complicou muito a vida do Santo.

Em Roma – um capítulo à parte na história de Inácio entre as mulheres.
Isabel Roser, a velha amiga e incondicional admiradora de Inácio, já viúva, com outras amigas, foi se juntar com ele, sabendo que ele não queria um ramo feminino na Companhia.
Queriam ficar sob sua obediência trabalhando para os jesuítas.
Inácio, sem saída, acolheu-as na Casa Santa Marta, onde foram muito úteis,    
Isabel assumiu o papel de madre superiora, mas queria bem mais.
Sem saber mais o que dizer, o Santo recorreu ao papa e acabou tendo de dar a elas os votos no Natal de 1545 – a tentativa foi breve.
O papa acabou dando a Inácio permissão de acabar com a aventura.

Uma aventura cheia de encontros tempestuosos, que acabou levando-os a um tribunal por questões financeiras, mas Isabel terminou por admitir seus erros, ficando ligada a Santo Inácio até o fim da vida. Em dezembro de 1547, Isabel escreveu uma bonita carta para Inácio, pediu perdão por tudo, doando o restante de suas posses à Companhia. Ela morreu em 1554, dois anos antes de Inácio.
Assim, temos a vida de Santo Inácio como uma bela caminhada humana e uma experiência mística muito especiais, onde percebemos “a complexidade e a magnanimidade das relações entre Deus e o homem”.

Brasília, 30 de maio de 2021


Fontes


Joana Eleuthério é graduada em Letras. Servidora pública aposentada da Secretaria de Estado de Economia do Distrito Federal – Escola de Governo do Distrito Federal (EGOV).
Inaciana, avó e mãe, caminha pelas estradas de Jesus, de Santo Inácio e de Santa Teresa de Ávila, por onde tem se inserido na Comunidade do Centro Cultural Brasília (CCB/Jesuítas). Muito grata pela caminhada realizada até aqui.

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Caminhante sem nenhuma linearidade e com variados interesses – uma buscadora incansável.

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