O Presépio no olhar do jumento
Osmar C. A. Ferreira
Diante do Presépio, me encanta o olhar curioso das crianças e o desejo de brincar com os personagens.
Recentemente, na casa de amigos, um lindo presépio de esculturas africanas foi rearranjado pelas mãos criativas de uma pequenina. Ficou lindo. Por suas mãos ela brincou com o Divino, recontando a história do Grande Pequenino que naquela feliz noite na Palestina assumiu nossa carne e nossas vidas.

O Presépio nos aproxima, pelo olhar e pelo tato, das cenas daquela noite venturosa: um casal e seu filho envolto em panos, numa manjedoura; o boi e o jumento; os pastores; os anjos.
Dentre as figuras tradicionais do Presépio, há dois ilustres personagens imortalizados desde as mais antigas representações da Natividade: o boi e o jumento. A presença desses animais na cena da Natividade alude ao início do Livro do Profeta Isaías:
O boi reconhece o seu dono,
e o jumento conhece a manjedoura do seu proprietário,
mas Israel nada sabe, o meu povo nada compreende.
A nobre presença do jumento, permite-nos recordar também a jumenta de Balaão, narrado no Livro dos Números. Nessa narrativa fantástica, Balãao dialoga com a jumenta que tem melhor percepção da realidade que o próprio adivinho.
Podemos ainda imaginar, com liberdade criativa, a montaria usada pela Sagrada Família, seja em sua viagem para Belém, ou em sua fuga para o Egito. Na primeira jornada, Jesus vai no ventre de sua mãe; na segunda está em seu colo. Nesses episódios, não há registros bíblicos; mas a imaginação criadora de artistas traz a presença benfazeja do animal, como canta nosso Luiz Gonzaga:
Animal sagrado!
Serviu de transporte de Nosso Senhor
Quando ele ia para o Egito
Quando Nosso Senhor era pirritotinho
Todo jumento tem uma cruz nas costas, num tem?
Pode olhar que tem
Todo jumento tem uma cruz nas costas
Foi ali que o menino santo fez um pipizinho
Por isso ele é chamado de sagrado
Outra jumenta digna de nota é aquela que conduz o Senhor em sua entrada em Jerusalém, narrada em Mateus e anunciada em Zacarias:
Alegre-se muito, cidade de Sião!
Exulte, Jerusalém!
Eis que o seu rei vem a você, justo e vitorioso,
humilde e montado num jumento, um jumentinho, cria de jumenta.
No Presépio, a presença do boi e do jumento conduz o olhar para a manjedoura, onde está Jesus. Contemplamos na palha, no lugar improvável, o mesmo Jesus que entrará montado numa jumenta em Jerusalém e lá será crucificado.
O nosso olhar de criança – mesmo já corridos muitos Natais – atualiza o encantamento daquela noite feliz da Palestina, onde mais nada existe exceto aquela Criança. Quando o nosso olhar encontra os olhos daquela Criança os desertos se transformam em primaveras imortais. Entrando na cena, nos aproximamos dos personagens; dialogando com os personagens nos transportamos para a lugar do Mistério; e ao sentir e saborear o Mistério, contemplamos o Inefável.
— 23 de dezembro de 2018
Osmar Ferreira é bibliotecário, membro da Comunidade de Vida Cristã (CVX).
Imagem: Natividade — Portinari, 1960.
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Nasci em Belém do Pará, moro em Brasília. Sou bibliotecário desde 1985.
Como você tira do do detalhe, do ínfimo, o sublime, o sagrado. Isso, faz toda a diferença no humilde cotidiano! Gracias!!!!
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Com muita simplicidade e delicadeza, por meio das palavras, a comunicação se estabelece e nos transporta para a cena evangélica e para minha surpresa com olhar para a presença do boi e do jumento que até então não os percebia com tanta nitidez. A presença dos dois animais é motivo de alegria humilde e terna.
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Hoje li teu escrito.
O Presépio sob o olhar do burro.
Interessante as diversas aparições do burrinho nos textos bíblicos, no viver da família sagrada.
A narrativa flui leve e passa o sacro de forma singela.
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