Estamos ajudando a construir uma civilização integrada ou fragmentada?
Dalmo Coelho *
Vivemos uma mudança de época ou uma época de mudanças? Diante dos conflitos de nossos tempos, essa indagação é feita por diversos escritores sem, contudo, chegar a uma resposta conclusiva. Houve tempos em que a interdependência, a cooperação e a busca de acordos multilaterais pareciam ser mais valorizadas. Hoje, no ocidente, parece que cada nação busca suas próprias saídas isoladamente, no afã de encontrar soluções rápidas para problemas sistêmicos que persistem há décadas.
Em 1998, foram lançados em órbita (a cerca de 400 km de altitude) os primeiros componentes do que viria a ser a Estação Espacial Internacional (ISS), um esforço comum de nossa espécie em estabelecer no espaço uma missão permanente para desenvolver pesquisas e estudos científicos. Para tanto, foram usados ônibus espaciais americanos, foguetes russos, tecnologia orbital europeia, entre outras contribuições.
A ISS é uma forma engenhosa de dividir custos para um mesmo objetivo. Ela pode ser vista viajando no céu a olho nu e envia imagens ao vivo de seu sobrevoo sobre a terra. Entretanto, no início desse ano, a administração americana declarou que não investirá mais no projeto a partir de 2025. Como consequência, cada país começa a fazer seus planos em separado para manter a presença contínua da humanidade no espaço, feito que começou com a Estação Mir há mais de 30 anos.
Em 2013, em sua primeira viagem para fora de Roma, o Papa Francisco resolve visitar a ilha de Lampedusa, ponto europeu mais meridional e porta de entrada de migrantes do norte da África e do Oriente Médio no velho continente. Todos os anos, centenas de pessoas morrem em naufrágios no Mediterrâneo ao tentar fazer a travessia. O Papa rezou ao depositar flores brancas e amarelas no mar a bordo do navio que já resgatou mais de 30 mil vidas.
“Precisamos chorar os mortos que ninguém chora”, declarou na missa realizada sobre um altar, ambão, báculo e cálice feitos com restos de embarcações naufragadas. “Vamos pedir ao Senhor para retirar a parte de Herodes que se esconde em nossos corações” exortou ao se referir à indiferença dos/as cristãos/ãs em relação aos/às migrantes. Desde então, partidos que defendem políticas xenófobas e anti-migratórias vêm ganhando espaço junto aos eleitores europeus, inclusive na Itália.
Algo similar observou-se na votação do referendo sobre o BrExit na Grã Bretanha em 2016. Com receio das políticas migratórias europeias e das decisões de cunho econômico do Banco Central Europeu (BCE), pouco mais da metade dos britânicos (51,8%) votaram pela saída do país do Bloco Europeu. Depois desse plebiscito, as questões anti-migração e anti-integração conquistaram terreno nas agendas eleitorais de diversos países.
Em 2018, no Brasil, grupos agitados por ideias similares atearam fogo ao acampamento de migrantes venezuelanos na fronteira de Roraima a fim de expulsá-los. Por outro lado, a cidade onde ocorreu o conflito depende da energia elétrica e dos combustíveis vindos do país vizinho. Não é difícil encontrar em nossos círculos familiares ou profissionais opiniões violentas e excludentes contra aqueles por quem “ninguém chora”. Valores como solidariedade, empatia e alteridade parecem ter saído de moda silenciosamente.
Na sua parábola do joio e do trigo (Mateus 13,24-43), Jesus chama atenção para a similaridade inicial entre as propostas do Reino e as do Anti-Reino. A diferença fica evidente pelos frutos que cada uma apresenta quando está madura. Seremos, nós, leigos e leigas, chamados a ser sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-14), capazes de propor soluções e projetos mais comunitários e menos individualistas? Saberemos construir o difícil e dialogal caminho da integração e resistir às sedutoras (e aparentemente fáceis) ideias sectárias?
Nossa espécie parece conter em si o germe da gregariedade: bem no início percebemos que as nossas fragilidades podem ser suplantadas se nos juntássemos em bandos de caçadores-coletores. Séculos depois, descobrimos a agricultura e começamos a juntar os bandos em pequenos povoados e vilas. Mais tarde, esses agrupamentos humanos desenvolveram afinidades culturais e formaram tribos e reinos… por fim países e blocos de comércio! Que possamos abrir os olhos e seguir adiante nessa marcha, deixando para trás tudo que divide e destrói.
* Dalmo Coelho é engenheiro, peregrino e grapiúna.
Justiça e Paz alteridade Comunidade humana diálogo empatia Geopolítica Integração Laicato Lampedusa Leigos e leigas Migração Migrantes Mobilidade humana solidariedade Xenofobia
Muito boa a reflexão! Parabéns ao Dalmo pelo texto, com abordagem de acontecimentos recentes e chamada para mais união fraternal.
Grande abraço!
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