Retiro Quaresmal 2024 — Semana I

Mc 1, 12-15

E logo o Espírito o impeliu para o deserto.

Talvez esperássemos que estas leituras do 1º Domingo da Quaresma nos recomendassem sacrifícios, jejuns, tristeza. Ao contrário, nos falam da bondade de Deus, que intervém em nossa vida, a fim de que, arrependidos de nossos pecados, renovemos nossos propósitos e iniciemos uma vida nova para sermos verdadeiramente felizes.

Sabemos que a revelação sobre a natureza de Deus se deu devagar. Hoje, após a vinda à terra da segunda pessoa da Santíssima Trindade, Jesus Cristo, soubemos que Deus é Amor. Mas, naqueles tempos antigos, atribuíam-se a Deus atitudes humanas. Assim, lê-se que “O Senhor se arrependeu de ter criado o homem na terra e teve o coração ferido de íntima dor. E disse: “Exterminarei da superfície da terra o homem que criei (…) porque eu me arrependo de tê-los criado!” (Gn 6, 6-7).

Jamais Deus teria pensado fazer tais coisas, porque ele nos ama e, portanto, não nos castiga. Quando pecamos, usando erradamente de nossa liberdade e, mesmo assim, Ele não desiste de nós, ama-nos e quer-nos de volta para junto de si. Deus nunca nos abandona. Pelo contrário, segue-nos, mesmo estando em caminhos errados, para corrigir-nos e renovar-nos. São Pedro também se refere às águas do dilúvio, comparando-as às águas do nosso Batismo. Escreveu ele: “Essa água prefigurava o batismo de agora, que vos salva também a vós, não pela purificação das impurezas do corpo, mas pela que consiste em pedir a Deus uma consciência boa, pela Ressurreição de Jesus Cristo”. Ao lermos o santo Evangelho, deparamo-nos com uma frase intrigante: “E logo o Espírito o impeliu para o deserto.”. Para quê? – perguntaríamos nós. Para ser tentado pelo demônio. Mas Deus exporia seu Filho ao mal? Não! O Pai nunca faria isso com seu Filho Amado. É que nem todas as provações são para o pecado. Como Jesus, somos conduzidos ao deserto de nossa vida com dores e alegrias. Nossa fé é submetida seguidamente à prova, como Ele também foi! Não tenhamos medo. O mesmo Espírito que conduziu Jesus está conosco!

Mt 25, 31-46

Vinde, benditos de meu Pai.

Os que acolheram os excluídos são chamados “justos”. Isto significa que a justiça do Reino não se alcança observando normas e prescrições, mas sim acolhendo os necessitados. Mas os próprios justos não sabem quando foi que acolheram Jesus necessitado. Jesus responde: “Toda vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes!”

Em outras passagens do Evangelho de Mateus, as expressões “meus irmãos” e “pequeninos” indicam os discípulos (Mateus 10,42; 12,48-50; 18,6.10.14; 28,10). São os membros mais abandonados da comunidade, os desprezados que não recebem lugar e não são bem recebidos (Mateus 10,40). Jesus se identifica com eles. Mas não é só isto. Aqui no contexto tão amplo desta parábola final, a expressão “meus irmãos mais pequeninos” se alarga e inclui todos aqueles que na sociedade não têm lugar. Indica todos os pobres. E os “justos” e os “benditos de meu Pai” são todas as pessoas que acolhem o outro na total gratuidade, independentemente do fato de ser cristão ou não.

Os que estão do outro lado do Juiz são chamados de “malditos” e são destinados ao fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. Jesus usa a linguagem simbólica comum daquele tempo para dizer que estas pessoas não entram no Reino. E aqui também o motivo é um só: não acolhem Jesus faminto, sedento, estrangeiro, nu, doente e preso. Não é Jesus que nos impede de entrar no Reino, mas sim a nossa prática de não acolher o outro, a cegueira que nos impede de ver Jesus nos pequeninos.

O pedido de esclarecimento mostra que se trata de gente comportada, pessoa que têm a consciência em paz. Estão certas de terem praticado sempre o que Deus pedia delas. Por isso estranham quando o Juiz diz que não o escolheram. O Juiz responde: “Todas as vezes que vocês não fizeram isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizeram!” A omissão! Não fizeram coisas más! Apenas deixaram de praticar o bem aos pequeninos e de acolher os excluídos. E segue a sentença final: estes vão para o fogo eterno, e os justos para a vida eterna.

Mt 6, 7-15

Eis como deveis rezar.

Nos evangelhos existem duas versões do Pai-nosso. Uma de Lucas, a mais breve e provavelmente a mais antiga. E a outra de Mateus, por sua vez apresenta a que era recitada em sua comunidade.

A oração, como as demais práticas religiosas, transformara-se para os fariseus num motivo de ostentação e luzimento externo; deixaram de ser um modo do louvar a Deus e era somente um instrumento para alcançar honra e prestígio diante dos homens.

A oração do cristão deve estabelecer uma relação íntima com o Pai; entra no teu quarto, fecha a porta; num clima de abandono e confiança a Deus: o teu Pai recompensar-te-á. Os cristãos devem orar como Jesus orava. Esse estilo de oração está presente de uma forma condensada no Pai-nosso.

Lc 11, 29-32

Nenhum sinal será dado a esta geração a não ser o sinal de Jonas.

No Evangelho de hoje, encontramos Jesus usando ásperas palavras. Ele se dirigi ao povo que o ouve como a uma “perversa geração”. Mas por que tanta dureza? Porque eles não estão abertos para reconhecer o tempo de sua conversão às pregações de Jesus.

Jesus é o sinal que é, ao mesmo tempo, um apelo á conversão, muito mais urgente do que o apelo que o profeta Jonas dirigiu aos habitantes de Nínive, que eram pagãos. Para cada um, a conversão tem a sua “hora” certa. É Jesus quem passa em nossas vidas em determinado momento.

Ele é o sinal, que é um apelo à conversão muito mais urgente do que a do profeta Jonas, dirigiu aos habitantes de Nínive, os quais eram pagãos. As palavras de Jesus assumem um estilo profético e, ao mesmo tempo, um tom de julgamento.

Mt 16, 13-19

Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?

Jesus faz um levantamento da opinião do povo a seu respeito. As respostas são variadas: João Batista, Elias, Jeremias, algum dos profetas. Quando pergunta pela opinião dos discípulos, Pedro se torna porta-voz e diz: “Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo!” A resposta não é nova. Anteriormente, os discípulos já tinham dito a mesma coisa (Mt 14,33). No Evangelho de João, a mesma profissão de fé é feita por Marta (Jo 11,27). Ela significa que Jesus realiza as esperanças proféticas do Antigo Testamento.

Jesus proclama Pedro “feliz”, porque recebeu uma revelação do Pai. Aqui também, a resposta de Jesus não é nova. Anteriormente, Jesus tinha louvado o Pai por ele ter revelado o Filho aos pequenos e não aos sábios (Mt 11,25-27) e tinha feito a mesma proclamação de felicidade aos discípulos por estarem vendo e ouvindo coisas que antes ninguém conhecia (Mt 13,16).

Ser pedra: Pedro deve ser pedra, isto é, deve ser fundamento firme para a igreja a ponto de ela poder resistir contra as portas do inferno. Com estas palavras de Jesus a Pedro, Mateus anima as comunidades perseguidas da Síria e da Palestina que viam em Pedro a liderança marcante da sua origem. Apesar de fraca e perseguida, a comunidade tem fundamento firme, garantido pela palavra de Jesus.

As chaves do Reino: Pedro recebe as chaves do Reino. O mesmo que confere o poder de ligar e desligar também diz: “É necessário que o Messias sofra e seja morto em Jerusalém” (v. 21). Dizendo que “é necessário”, Jesus indica que o sofrimento fazia parte da vida dos profetas. Não só o triunfo da glória, também o caminho da cruz. Se os discípulos aceitam Jesus como Messias e Filho de Deus, devem aceitá-lo também como Messias Servo que será morto. Porém, Pedro não aceita a correção de Jesus e procura dissuadi-lo.

Mt 5, 20-26

Se a vossa justiça não for maior que a dos escribas e fariseus…

Não é suficiente a justiça dos fariseus. Não basta evitar os homicídios, as mortes, as guerras. Jesus quer ir à raiz do mal, que se situa no mais profundo de nosso ser, e quer que nos convertamos ao nível dessa estrutura. O lugar privilegiado de Deus no mundo, após a encarnação, não é mais nos templos, mas na pessoa humana.
É preciso decidir-se pela fé e pela conversão. O perdão fraterno não pode ser adiado. Converter-se é seguir a Jesus no amor que ele tem por todos nós.
Hoje, sabemos, é inútil um culto a Deus se não cultuarmos o irmão, não amarmos o nosso próximo. E a reconciliação com o próximo tem precedência à adoração de Deus. Estamos assim perto de Deus na medida em que estamos perto de nosso próximo.

A oração de cada sábado consiste no exercício chamado de repetição. Trata-se de aprofundar aquilo que rezei durante a semana. Santo Inácio diz: Não é o muito saber que satisfaz a pessoa, mas o sentir e saborear as coisas internamente [EE 2]. Por isso não é apresentada uma nova matéria de oração para este dia. Faço, pois, a oração, a partir do texto ou moção que mais me consolou ou que mais me desolou na semana que passou.


Material produzido pelo Pe. Luís Renato Carvalho de Oliveira, SJ.

Obs.: Os comentários bíblicos das semanas são extraídos do Diário Bíblico – Editora Ave Maria e outras fontes.
Ilustrações: Luís Henrique – Varginha – MG. A arte da capa é de autoria de Pe. Luís Renato, SJ.

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