Se Leão XIV ainda não tem planos para os católicos LGBT+, nós temos e Deus também
João Melo
Na recente entrevista concedida à jornalista americana Elise Ann Allen, o papa Leão XIV falou com honestidade que ainda não tem planos de como irá agir em relação às pessoas LGBT+. A franqueza do pontífice é admirável. Em diversas ocasiões, ele expressou o “temor e tremor” que o papado lhe causou nesses primeiros meses, ao ser elevado à condição de líder mundial, com responsabilidades que antes não carregava. Sua sinceridade já o levou a admitir que ainda não compreende plenamente porque foi escolhido como papa, e que está aprendendo a sê-lo. É bom que seja assim. Alguém que se julga pronto para tudo, tem pouco a aprender com os outros. Leão não parece autossuficiente — e isso é um bom sinal.
Contudo, o papa americano teme que as polarizações ameacem a unidade da Igreja. Por isso, evita temas considerados polêmicos. Seguir avançando com uma maior acolhida dos católicos LGBT+ é um desses assuntos que, por ora, ele prefere não enfrentar. Mas essa confissão de ausência de planos revela, mais uma vez, o lugar marginalizado que as católicas e católicos LGBT+ ainda ocupam na ação pastoral da Igreja. E é preciso falar sobre isso.
Se o papa ainda não tem planos para nós, nós já temos planos — discernidos à luz da escuta da Palavra e do santuário de nossas consciências, onde Deus nos fala intimamente. O Concílio Vaticano II, na Gaudium et Spes, afirma que “a consciência é o núcleo mais secreto e o santuário do homem, onde ele está sozinho com Deus, cuja voz ressoa no íntimo” (GS, n. 16). É nesse espaço sagrado que se rompem todos os esquemas, como lembra o papa Francisco em Amoris Laetitia:
Também nos custa deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites e são capazes de realizar o seu próprio discernimento perante situações onde se rompem todos os esquemas. Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las.
AL, n. 37
Nossos planos, como católicos LGBT+, incluem participar integralmente da vida e missão da Igreja. Planejamos e agimos com esperança. A esperança de mudança na acolhida e nas atitudes é compartilhada por aliados e aliadas como a irmã Jeannine Gramick, que há décadas luta pela inclusão das pessoas LGBT+ na Igreja. Ela afirma:
O que é uma prioridade é uma mudança de atitude, ações e políticas sobre a maneira como os católicos tratam as pessoas LGBT. Por exemplo, muitas pessoas LGBT nos Estados Unidos são demitidas de seus postos de trabalho em instituições católicas quando se casam com seus parceiros. Sua esperança é que essas demissões, bem como ações similares que desrespeitam os direitos humanos, terminem.
No Brasil, infelizmente, essa realidade também acontece de forma velada.
Nesse ponto, a irmã está alinhada com o que o papa Leão XIV afirmou: é preciso mudar as atitudes antes de mudar a doutrina. Mas será que essas duas dimensões não estão interligadas? Afinal, o ensino da Igreja impacta diretamente nas atitudes que os católicos performam. No caso mencionado por Gramick, se a doutrina não legitimasse a exclusão de professores LGBT+, os colégios católicos teriam uma razão a menos para demiti-los. As mudanças no ensino da Igreja também são urgentes.
Não podemos esperar sentados que planos sobre nós caiam do céu — como os discípulos que, após a ressurreição, ficaram parados olhando para o alto (cf. Atos 1,11). O paternalismo não é bom. As católicas e católicos LGBT+ são protagonistas da ação pastoral que constrói sua própria inclusão na Igreja. Mas isso não desresponsabiliza as autoridades eclesiásticas, inclusive o papa, nem os demais fiéis católicos que não são LGBT+, de se comprometerem com o projeto de Francisco: uma Igreja para “todos, todos, todos”.
Nesse sentido, a experiência sinodal de escuta e diálogo precisa ser potencializada. Católicas e católicos LGBT+, os outros fiéis leigos, os bispos — incluindo o de Roma — precisam caminhar juntos e sentar-se à mesma mesa para partilhar a vida. Muitas vezes, para que isso aconteça, será preciso insistir, bater à porta, como a viúva persistente que clama por justiça (cf. Lucas 18,1-8).
Como seria possível que a Igreja, casa para “todos, todos, todos”, enxotasse alguém da mesa e não oferecesse sequer um pedaço de pão a quem dela se aproxima? Jesus conta a parábola do vizinho que bate à porta de outro à meia-noite pedindo pão para receber seus amigos, e que só é atendido pela insistência (cf. Lucas 11,5-8). Como seria possível que a Igreja, lugar de acolhida para todos os filhos e filhas de Deus, fosse lgbtfóbica com alguns de seus membros? O profeta Isaías nos lembra: “Ainda que uma mãe se esqueça de seu filho, eu jamais me esquecerei de ti” (cf. Isaías 49,15).
Parafraseando Dom Pedro Casaldáliga, É tarde para planejar, mas ainda é madrugada se insistirmos um pouco.
João Melo é professor, escritor e paulistano. Descendente de retirantes da seca de 1915, no Ceará e Piauí; e de apanhadoras de flores sempre-vivas da Serra Negra, em Itamarandiba (MG). É licenciado em Filosofia, bacharel em Teologia, mestrando em Educação na UERJ. Tem livros e artigos publicados em periódicos, revistas e portais digitais. Atualmente, vive no Rio de Janeiro.
Imagem: Lígia de Medeiros. Azulejo Sutil.
Também publicado no IHU Unisinos
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Descendentes dos retirantes que enfrentaram a seca de 1915 (PI/CE) e das apanhadoras de flores sempre-vivas ao pé da Serra Negra em Itamarandiba (MG). Paulistano que vive no Rio de Janeiro. Autor de “Entre Eva e Mapana” (Editora Pluralidades, 2023) e de livros da série “Ensaios Teológicos Indecentes” (Editora Metanoia, 2024).
